quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Uma espécie de redução dos cargos dirigentes das autarquias



Um leitor do Má Despesa escreveu um pertinente comentário sobre a lei da redução dos dirigentes autárquicos (Lei n.º 49/2012). De uma forma simples, explica como é possível que uma pessoa nomeada em 2012 fique até 2015 a receber a mesma remuneração, apesar da sua divisão ou departamento ter sido entretanto extinto.


Tomei a liberdade de partilhar convosco a lei de redução dos cargos dirigentes nas autarquias, porque ela ilustra à saciedade as falácias do nosso Governo em matéria de redução da despesa.

Argumentar-se-á, porventura, que a redução dos cargos dirigentes, mesmo levada à séria, seria sempre uma gota de água no oceano da despesa pública. Ainda assim, ilustra bem a desonestidade e o compadrio que grassam na política portuguesa.
Veja-se o ponto n.º 7 do artigo 25.º da aludida lei, onde se diz que é, passo a citar, "admitida a faculdade da manutenção até ao final do respetivo período das comissões de serviço dos dirigentes em funções à data da entrada em vigor da presente lei, a qual, quando utilizada, determina a suspensão dos efeitos das correspondentes alterações decorrentes da adequação".  

Não obstante a formulação do referido artigo não se pautar pela clareza, o que creio ser deliberado, os seus efeitos são claros: manter no exercício das funções as chefias cujas unidades orgânicas foram extintas.

Dou o exemplo de uma autarquia que conheço bem. 
Nessa autarquia, mal se tomou conhecimento do teor da lei (através do seu ante-projecto), avançou-se com vários  procedimentos concursais, cujos despachos de nomeação de chefias, em regime de comissão de serviço, foram emitidos poucos dias antes da publicação da lei em Diário da República (29-08-12).  Agora, cerca de três meses depois, procedeu essa mesma autarquia à extinção das unidades orgânicas para as quais tinha nomeado, recentemente, chefias. E porquê? Porque a lei em causa permite que os dirigentes assim nomeados fiquem até ao fim da comissão de serviço, ainda que extinta a respectiva unidade orgânica (divisão, departamento). Portanto, uma pessoa nomeada em Agosto deste ano permanecerá até ao fim da sua  comissão de serviço, ou seja até Agosto de 2015. Porque as comissões de serviço têm a duração de três anos. E, naturalmente, continuará a auferir das remunerações inerentes ao exercício do cargo dirigente até essa data. Não há por isso qualquer redução de despesa!
Estou em crer que o caso acima ilustrado está longe de constituir excepção no universo das autarquias, em face de tal latitude permitida pela lei.
Em suma, quando o governo nos vier anunciar que reduziu "X" nos cargos dirigentes,  e que poupou "Y" na despesa, o mais certo é estarmos perante um exercício de propaganda destinado a iludir os membros da troika, os jornalistas e a opinião pública em geral. Porque a larga maioria desses dirigentes continuará por muito tempo em funções, muito para além da extinção dos cargos; e auferir das remunerações correspondentes. Será pífia a redução da despesa”.

6 comentários:

  1. Toda a política em Portugal é feita em função dos interesses da longa legião de avençados dos partidos políticos. O que se compreende, no estado em que as coisas foram sendo colocadas desde há bastantes anos, os partidos políticos foram-se transformando em agências de colocação de amigos, familiares e correlegionários e essa extensa lista de parasitas à custa do actual estado de coisas trataria de boicotar qualquer alteração que, de facto, atingisse o seu modus vivendi...Não é, portanto, de admirar mais este atirar de poeira para os olhos dos papalvos que somos todos nós, os que pagamos a festa dos boys...
    Falcão Peregrino

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  2. Esse vosso leitor na ânsia de encontrar ilícitos em todo o lado viu o filme ao contrário.
    Esse artigo que ele refere não agrada seguramente a mais de 90% dos dirigentes. Se a unidade orgânica vai ser extinta, o correto era destituir as pessoas dos cargos e cumprir o estatuto de dirigentes, que obriga a indemnizar do valor remanescente até final da comissão de serviço, incluindo os 14 salários e o desconto temporário do governo anterior, para os anos 2014 e 2015, de que ainda não há orçamento de Estado.
    O legislador criou esse artigo para que as câmaras fiquem com as pessoas a apodrecer no lugar, em estruturas que já não existem, com uma unica certeza, de que no final serão demitidas quer tenham um desempenho excelente ou paupérrimo. E de caminho as autarquias não gastam dinheiro à cabeça.
    .
    Sobre o tal caso que conhece, se foram abertos procedimentos é porque a estrutura já existia e não tinha os lugares preenchidos, ou estavam todos em regime de substituição. Mas goste ou não até à lei 49 entrar em vigor não existia, e se houve incorreção na tomada dessas decisões está aí a eleição a 9 meses.

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  3. Antigamente CLERO, NOBREZA e POVO.
    Presentemente Clero, POLÍTICOS e Povo.
    Há que restaurar a política remuneratória do Estado Novo.

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  4. A redução do número de dirigentes não teve, nem terá, impacto na redução da despesa das autarquias (mesmo se fosse aplicada sem exceções), não só porque a maioria dos dirigentes são técnicos em topo de carreira, mas também porque as reduções remuneratórias só afetaram os rendimentos dos visados. Acresce que os municípios reúnem hoje uma grande quantidade de serviços com competências diversas que não podem deixar de ser chefiados por quadros técnicos com habilitações adequadas.

    Por isso, a redução que o DL 49/2012, de 29/08, veio impor aos municípios apenas serviu para desmotivar os técnicos despromovidos e deixar muitos serviços sem uma chefia oficial e tipificada. – E, com efeito, já vemos hoje diversos serviços chefiados por técnicos que, apesar de já não serem dirigentes, continuam a exercer essas funções por força das circunstâncias; ou seja, perderam o estatuto e o salário de dirigentes, mas mantêm os graus de exigência e de responsabilidade.

    Não obstante, sendo a sua aplicação inevitável, não devia conter exceções, sob pena de serem praticadas injustiças, escolhas discriminatórias e até favorecimentos. Na verdade, basta ler com atenção o n.º 4 do art.º 25.º para concluirmos que, enquanto uns foram (ou vão ser) despromovidos sem apelo nem agrado, outros não só mantêm o estatuto e a remuneração de dirigentes por mais dois ou três anos, como ainda terão o direito, quando cessar a comissão, de a renovar por mais um período semelhante, obrigando também que a adequação da unidade orgânica respetiva se mantenha suspensa durante os próximos cinco ou seis anos. Será isto justo?

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  5. A redução do número de dirigentes não teve, nem terá, impacto na redução da despesa das autarquias (mesmo se fosse aplicada sem exceções), não só porque a maioria dos dirigentes são técnicos em topo de carreira, mas também porque as reduções remuneratórias só afetaram os rendimentos dos visados. Acresce que os municípios reúnem hoje uma grande quantidade de serviços com competências diversas que não podem deixar de ser chefiados por quadros técnicos com habilitações adequadas.

    Por isso, a redução que o DL 49/2012, de 29/08, veio impor aos municípios apenas serviu para desmotivar os técnicos despromovidos e deixar muitos serviços sem uma chefia oficial e tipificada. – E, com efeito, já vemos hoje diversos serviços chefiados por técnicos que, apesar de já não serem dirigentes, continuam a exercer essas funções por força das circunstâncias; ou seja, perderam o estatuto e o salário de dirigentes, mas mantêm os graus de exigência e de responsabilidade.

    Não obstante, sendo a sua aplicação inevitável, não devia conter exceções, sob pena de serem praticadas injustiças, escolhas discriminatórias e até favorecimentos. Na verdade, basta ler com atenção o n.º 4 do art.º 25.º para concluirmos que, enquanto uns foram (ou vão ser) despromovidos sem apelo nem agrado, outros não só mantêm o estatuto e a remuneração de dirigentes por mais dois ou três anos, como ainda terão o direito, quando cessar a comissão, de a renovar por mais um período semelhante, obrigando também que a adequação da nova unidade orgânica respetiva se mantenha suspensa durante os próximos cinco ou seis anos.

    Será isto justo? Como refere o artigo, a quem serve a exceção prevista nesta lei?

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    1. O que se está a passar são as comissões de serviço a expirar, os dirigentes continuam a receber como tal e a atrofiar os serviços para pressionarem as administrações para que de algum modo lhes garantam o poleiro, estes últimos já não sabem para onde se virar.

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