segunda-feira, 25 de março de 2013

Vieira do Minho: Concursos públicos de “alfaiate”? (2)



Mais um caso que chegou ao Má Despesa Pública em que um concurso público para uma autarquia parece ter sido criado à medida para excluir o maior número possível de candidatos. Na semana passada demos conta de um exemplo em Barcelos, que foi notícia na imprensa local. Agora é a vez do mesmo leitor relatar o exemplo de Vieira do Minho.


Escreve o leitor do Má Despesa:
"1. Câmara Municipal a que V.Exa. preside decidiu realizar um concurso para seleccionar um dirigente para Chefe da Divisão de Desenvolvimento Social e Local, Educação, Administração e Finanças (Cargo de Direção Intermédia de 2º grau);
2. Tomei conhecimento do referido concurso pela Bolsa de Emprego Público e anexo cópia do conteúdo desse anúncio;
3. Ora, a Câmara Municipal considera que, para o exercício de funções de dirigente supra-referidas, a habilitação exclusiva deverá ser o curso de licenciatura em Administração Publica (do que resulta a exclusão de todos os outros licenciados que não a possuam, mesmo os que possuam outras habilitações qualificantes)
4. Antes da legislação vigente estes cargos eram providos por nomeação;
5. A legislação presente obriga a concurso geral e aberto à mobilidade de outros serviços, visando, e bem, a introdução de entropia no sistema, evitando a sua politização, a endogamia nas selecções e promovendo uma administração independente do poder político.
5. O sistema visa reconhecer o mérito e ainda promover a mobilidade dentro da administração. Assim, por muito que os decisores políticos achem que querem continuar a trabalhar com os mesmos que conhecem ou no passado nomearam, o legislador tentou montar um sistema em que tenham de escolher os mais habilitados ainda que desconhecidos.
6. Daí que a introdução de concursos tenha sido acompanhada de medidas de transparência e divulgação que visam que qualquer funcionário a eles tenha acesso, sabendo da sua existência.
7. Assim muito me espantou (e, lamento dizê-lo, a interpretação do caso só pode ser a existência de um lapso - porque, a ser verdade e deliberado, traduz uma situação lamentável de fuga ao princípio do concurso geral), o teor do item habilitações do concurso;
8. Confesso que me transcende porque é que o signatário, licenciado em História em 1993 com habilitação profissional para a docência (curso de qualificação em Ciências de Educação), com 3 pós-graduações em gestão (entre eles o CADAP, que é habilitação preferencial para funções dirigentes públicas) e 7 anos de experiência em gestão pública como dirigente de nível e funções equivalentes ao objecto de selecção (discriminado no perfil que o anuncio cita) e 18 anos na docência não pode ser oponente a esse concurso e a ele só podem aceder licenciados em administração publica.
9.Em muitos serviços está a ser usado o recurso da restrição absurda das habilitações para limitar as possibilidades de concurso;
10. Creio que o caso de Vieira do Minho, não sendo o mais escandaloso, é um dos mais subtilmente construídos (e, por isso, chocante no contexto de uma sociedade aberta e de um Estado de Direito) que encontrei em vários meses de análise desta situação. A remissão para o perfil cria uma aparente, mas bastante tosca, depois de lido o perfil publicado, tentativa de obscurecer a compreensão da limitação habilitacional que, ao leitor menos perseverante do anuncio, poderá parecer estar enterrada na descrição do perfil publicado no Diário da republica (cujo pdf se anexa).
11. Ora tal perfil realmente só justifica que possa haver uma grande variedade de bases habilitacionais para a multiplicidade de funções solicitadas e que aliás fazem parte das atribuições de todos os que, independentemente da sua licenciatura, tenham exercido funções dirigentes. Em suma, ser licenciado em Administração Publica não qualifica especificamente e outras licenciaturas qualificam do mesmo modo.
12. É claramente violador do direito de acesso igualitário a funções públicas determinar que para uma função, para que haveria tantos habilitados no universo da função pública (e até fora dela), se restrinja como habilitação uma licenciatura cujo objecto até nem tem tanto assim a ver com a realidade a gerir. E mesmo a eventual preferência difere muito da pura e simples restrição.
13.  E acresce que no seu próprio regulamento publicado pelo Despacho nº 683/2013 (Diário da República, 2.ª série — N.º 7 — 10 de janeiro de 2013) o próprio município determina (artigo 4º) quanto a recrutamento e selecção que " Os titulares dos cargos de direcção intermédia são recrutados, por procedimento concursal, nos termos da legislação em vigor, possuindo as habilitações e experiência profissional a seguir indicadas:a) Licenciatura;b) Experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível a habilitação referida." Tal prescrição da lei e regulamento constata-se em clara contradição com os termos do anunciado concurso.
14. E por economia não entramos aqui profundamente no problema de chocante injustiça, que o signatário pode constatar para si próprio, de que um licenciado noutra área pode ate´ ter habilitação superior `a mera licenciatura em Administração Publica e ficar excluído.         
15. Por exemplo, como se compagina, face ao senso e `a lei, e com que razão de interesse publico que, em abstracto, um licenciado em Direito, com Mestrado em Direito Administrativo e depois Doutoramento em Administração Publica, com 10 anos de experiência de gestão publica, possa chegar a ser excluído por não ser licenciado em Administração Publica e, por exemplo, possa ser ultrapassado (se a referida cidadã concorrer) pela licenciada desde 2003 cuja nota curricular (vide anexo) o município publica Diário da República, 2.ª série — N.º 27 — 7 de fevereiro de 2013 e que presta funções na autarquia desde 2005 (e desde 28 de Janeiro de 2013, em regime de substituição, em cargo de direção intermédia de 2.º grau). Como a referida cidadã pode, em abstracto, ser oponente ao concurso (e o abstracto licenciado e doutorado, não) o seu exemplo serve com propriedade para suscitar esta comparação que visa explicitar o efeito perverso da escolha habilitacional constante do aviso do concurso.
16. Esta limitação radical no sentido da exclusão tem de ser fundamentada em lei ou opção de gestão com alguma ratio que infelizmente não se descortina (nada na descrição de funções referida no anúncio indica que a licenciatura em administração publica confira especial habilitação exclusiva para a função). A administração pública está cheia de leais e competentes servidores, não habilitados dessa forma, e ate´ mais habilitados, que por essa abstrusa limitação ficam excluídos de aceder à condição de dirigentes neste concurso.
17. Não quero acreditar que, por esta via, se possa, por exemplo, tentar que alguém portador da habilitação em causa, que reúna os restantes requisitos, possa ter vantagem na selecção e possamos correr o risco de estar em presença de um concurso ad hominem, o que a existir seria ainda mais espantoso e ate´ inacreditável.         
18. Mas como conheço outros casos semelhantes solicito a intervenção de V.Exa para o que me permito enviar comunicações que considero bastante ilustrativas recebidas do Senhor Provedor de Justiça relativo a casos semelhantes (em Ourém e Tavira e ainda links para noticias publicadas sobre este assunto em casos semelhantes ocorridos em Tavira, Penela e Barcelos).


Conhece mais exemplos de concursos feitos à medida? Escreva para madespesapublica@gmail.com

1 comentário:

  1. Ha tribunais administrativos que ja se pronunciaram qt a esta ilegalidade,,, é ilegal ;)

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