Mais um caso que chegou ao Má Despesa
Pública em que um concurso público para uma autarquia parece ter
sido criado à medida para excluir o maior número possível de
candidatos. Na semana passada demos conta de um exemplo em Barcelos,
que foi notícia na imprensa local. Agora é a vez do mesmo leitor
relatar o exemplo de Vieira do Minho.
Escreve o leitor do Má Despesa:
"1. Câmara Municipal a que
V.Exa. preside decidiu realizar um concurso para seleccionar
um dirigente para Chefe da Divisão de Desenvolvimento
Social e Local, Educação, Administração e Finanças
(Cargo de Direção Intermédia de 2º grau);
2. Tomei conhecimento do
referido concurso pela Bolsa de Emprego Público e anexo
cópia do conteúdo desse anúncio;
3. Ora, a Câmara Municipal
considera que, para o exercício de funções de dirigente
supra-referidas, a habilitação exclusiva deverá ser o
curso de licenciatura em Administração Publica (do que
resulta a exclusão de todos os outros licenciados que não
a possuam, mesmo os que possuam outras habilitações
qualificantes)
4. Antes da legislação
vigente estes cargos eram providos por nomeação;
5. A legislação presente
obriga a concurso geral e aberto à mobilidade de outros
serviços, visando, e bem, a introdução de entropia no
sistema, evitando a sua politização, a endogamia nas
selecções e promovendo uma administração independente do
poder político.
5. O sistema visa reconhecer
o mérito e ainda promover a mobilidade dentro da
administração. Assim, por muito que os decisores políticos
achem que querem continuar a trabalhar com os mesmos que
conhecem ou no passado nomearam, o legislador tentou montar
um sistema em que tenham de escolher os mais habilitados
ainda que desconhecidos.
6. Daí que a introdução de
concursos tenha sido acompanhada de medidas de transparência
e divulgação que visam que qualquer funcionário a eles
tenha acesso, sabendo da sua existência.
7. Assim muito me espantou
(e, lamento dizê-lo, a interpretação do caso só pode ser
a existência de um lapso - porque, a ser verdade e
deliberado, traduz uma situação lamentável de fuga ao
princípio do concurso geral), o teor do item habilitações
do concurso;
8. Confesso que me transcende
porque é que o signatário, licenciado em História em 1993
com habilitação profissional para a docência (curso de
qualificação em Ciências de Educação), com 3
pós-graduações em gestão (entre eles o CADAP, que é
habilitação preferencial para funções dirigentes
públicas) e 7 anos de experiência em gestão pública como
dirigente de nível e funções equivalentes ao objecto de
selecção (discriminado no perfil que o anuncio cita) e 18
anos na docência não pode ser oponente a esse concurso e a
ele só podem aceder licenciados em administração publica.
9.Em muitos serviços está
a ser usado o recurso da restrição absurda das
habilitações para limitar as possibilidades de concurso;
10. Creio que o caso de Vieira
do Minho, não sendo o mais escandaloso, é um dos mais
subtilmente construídos (e, por isso, chocante no contexto
de uma sociedade aberta e de um Estado de Direito) que
encontrei em vários meses de análise desta situação. A
remissão para o perfil cria uma aparente, mas bastante
tosca, depois de lido o perfil publicado, tentativa de
obscurecer a compreensão da limitação habilitacional que,
ao leitor menos perseverante do anuncio, poderá parecer
estar enterrada na descrição do perfil publicado no Diário
da republica (cujo pdf se anexa).
11. Ora tal perfil realmente
só justifica que possa haver uma grande variedade de bases
habilitacionais para a multiplicidade de funções
solicitadas e que aliás fazem parte das atribuições de
todos os que, independentemente da sua licenciatura, tenham
exercido funções dirigentes. Em suma, ser licenciado em
Administração Publica não qualifica especificamente e
outras licenciaturas qualificam do mesmo modo.
12. É claramente violador do
direito de acesso igualitário a funções públicas
determinar que para uma função, para que haveria tantos
habilitados no universo da função pública (e até fora
dela), se restrinja como habilitação uma licenciatura cujo
objecto até nem tem tanto assim a ver com a realidade a
gerir. E mesmo a eventual preferência difere muito da pura
e simples restrição.
13. E acresce que no seu
próprio regulamento publicado pelo Despacho nº 683/2013
(Diário da República, 2.ª série — N.º 7 — 10 de
janeiro de 2013) o próprio município determina (artigo 4º)
quanto a recrutamento e selecção que " Os titulares
dos cargos de direcção intermédia são recrutados, por
procedimento concursal, nos termos da legislação em vigor,
possuindo as habilitações e experiência profissional a
seguir indicadas:a) Licenciatura;b) Experiência
profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias
para cujo exercício ou provimento seja exigível a
habilitação referida." Tal prescrição da lei e
regulamento constata-se em clara contradição com os termos
do anunciado concurso.
14. E por economia não
entramos aqui profundamente no problema de chocante
injustiça, que o signatário pode constatar para si
próprio, de que um licenciado noutra área pode ate´ ter
habilitação superior `a mera licenciatura em Administração
Publica e ficar excluído.
15. Por exemplo, como se
compagina, face ao senso e `a lei, e com que razão de
interesse publico que, em abstracto, um licenciado em
Direito, com Mestrado em Direito Administrativo e depois
Doutoramento em Administração Publica, com 10 anos de
experiência de gestão publica, possa chegar a ser excluído
por não ser licenciado em Administração Publica e, por
exemplo, possa ser ultrapassado (se a referida cidadã
concorrer) pela licenciada desde 2003 cuja nota curricular
(vide anexo) o município publica Diário da República, 2.ª
série — N.º 27 — 7 de fevereiro de 2013 e que presta
funções na autarquia desde 2005 (e desde 28 de Janeiro de
2013, em regime de substituição, em cargo de direção
intermédia de 2.º grau). Como a referida cidadã pode, em
abstracto, ser oponente ao concurso (e o abstracto
licenciado e doutorado, não) o seu exemplo serve com
propriedade para suscitar esta comparação que visa
explicitar o efeito perverso da escolha habilitacional
constante do aviso do concurso.
16. Esta limitação radical
no sentido da exclusão tem de ser fundamentada em lei ou
opção de gestão com alguma ratio que infelizmente não se
descortina (nada na descrição de funções referida no
anúncio indica que a licenciatura em administração
publica confira especial habilitação exclusiva para a
função). A administração pública está cheia de leais e
competentes servidores, não habilitados dessa forma, e ate´
mais habilitados, que por essa abstrusa limitação ficam
excluídos de aceder à condição de dirigentes neste
concurso.
17. Não quero acreditar que,
por esta via, se possa, por exemplo, tentar que alguém
portador da habilitação em causa, que reúna os restantes
requisitos, possa ter vantagem na selecção e possamos
correr o risco de estar em presença de um concurso ad
hominem, o que a existir seria ainda mais espantoso e ate´
inacreditável.
18. Mas como conheço outros
casos semelhantes solicito a intervenção de V.Exa para o
que me permito enviar comunicações que considero bastante
ilustrativas recebidas do Senhor Provedor de Justiça
relativo a casos semelhantes (em Ourém e Tavira e ainda
links para noticias publicadas sobre este assunto em casos
semelhantes ocorridos em Tavira, Penela e Barcelos).
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Ha tribunais administrativos que ja se pronunciaram qt a esta ilegalidade,,, é ilegal ;)
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