segunda-feira, 6 de junho de 2011

Elefantes Brancos (1): A recuperação da Casa dos Bicos


I
Situada no Campo das Cebolas, a Casa dos Bicos constitui uma relíquia da Lisboa dos Descobrimentos. Construída por Brás de Albuquerque em 1523, apresenta uma fachada típica do renascimento, de inspiração italiana, revestida por uma grelha de pedras piramidais que lhe valeram a designação actual. Com o terramoto de 1755 perdeu os dois pisos superiores, e assim se manteve até ao século XX. Adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa em 1963, foi na altura alvo de um levantamento de conservação (funcionava como armazém de salmoura) pelo arquitecto Raul Lino.
Em 1983, por motivo da XVII Exposição Europeia de Artes, Ciência e Cultura foi alvo de uma recuperação completa (Arq. Manuel Vicente e Daniel Santa Rita) que recuperou os pisos superiores a partir de imagens antigas. Projecto polémico, na época, foi um momento revolucionário no panorama artístico, ao cruzar um monumento incompleto (uma fachada antiga) com um cenário interior moderno, exuberante e dinâmico, e pela intenção de não copiar qualquer estilo histórico ao afirmar a sua contemporaneidade.
Em 2010, a Casa dos Bicos é cedida à Fundação José Saramago para futura instalação da sua sede. O segundo momento de polémica decorre deste novo uso, contestado por alguns sectores políticos, e pelos custos da reconversão planeada.

II

O salto entre 1983 e 2010 não é ocasional. Os usos deste monumento sim. Entre a exposição de que justificou a sua reconstrução (Maio a Outubro de 1983) e a sua presente/futura função, decorrem 28 anos de utilização esporádica. Propriedade municipal, o seu uso passou pela Comissão Nacional dos Descobrimentos, pela Vereação Municipal de Cultura, e por algumas exposições pontuais. Do momento épico da arquitectura pós-moderna ou discurso refrescante da movida artística dos anos 80 ficou isso mesmo: 6 meses de exposição e um espaço sem uso concreto durante as décadas seguintes. Alvo de estudo e citações académicas, mais pelo seu passado recente do que pela história dos dois pisos sobreviventes ao terramoto, tornou-se um exemplo de monumento/evento. Foi desenhado e executado em 3 anos para durar 6 meses.

III
A terceira vida da Casa dos Bicos foi definida pela actual vereação em 2010. Não foi possível apurar os custos de recuperação da Casa dos Bicos nos anos 80, nem os custos de manutenção desde essa data. As obras de adaptação da Casa para a instalação da Fundação José Saramago, já vão nos valor de 2,2 milhões de euros (+IVA), mais do quádruplo do que estava previsto.

Manuel Rodrigues

Fontes:
CML – Proposta 76/2010, Público 10.03.2010, Universidade de Coimbra - Departamento de Arquitectura Discursos de Cidade, Lisboa Anos 80, Arquitectura.pt e Jornal de Notícias

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