quarta-feira, 11 de setembro de 2013

De onde vem o dinheiro das autaquias e quem as fiscaliza


A organização do poder ao nível local remonta à época medieval mas só em 1976 foi constitucionalmente consagrada. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, existem três categorias de autarquias locais: as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Como sabemos, estas últimas não se encontram instituídas. São também admitidas outras formas de organização territorial autárquica para as grandes áreas urbanas e ilhas, definidas em lei específica. Disso são exemplo as comunidades intermunicipais de fins gerais, as associações de municípios de fins específicos, as áreas metropolitanas, as comunidades urbanas, os serviços municipalizados e as empresas locais..
Este blogue trata de despesa. E não há despesa sem haver receita – apesar de a primeira superar a segunda em larga escala. É essa, afinal, a causa do elevado nível do endividamento autárquico. Importa, por isso, abordar o universo das receitas das autarquias, bem como a fiscalização à qual se encontram sujeitas, que, não raras vezes, se mostra ineficiente na sua acção, permitindo a gestão incompetente, irresponsável e violadora do interesse público. 
A Constituição determina que as receitas próprias das autarquias advêm da gestão do seu património, da cobrança da utilização pelos serviços prestados e dos seus poderes tributários. Por sua vez, o regime financeiro das autarquias é estabelecido na Lei das Finanças Locais (LFL), Lei n.º 2/2007 de 15 de Janeiro, e visa a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau, ou seja, o desenvolvimento nacional equilibrado, atendendo, cada vez mais, aos objectivos e metas traçados no âmbito das políticas de convergência às quais o país se obriga enquanto Estado-membro da União Europeia.
Nos termos da LFL, são receitas dos municípios:
a) Imposto municipal sobre imóveis (IMI), imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) bem como a parcela do imposto único de circulação (IUC);
b) Derrama (percentagem sobre o lucro tributável e não isento de imposto sobre o imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas – IRC);
c) Cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município;
d) Participação nos recursos públicos (participação nos impostos do Estado e fundos municipais);
e) Cobrança de encargos de mais-valias destinados por lei ao município;
f) Multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam ao município;
g) Rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por eles administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
h) Participação nos lucros de sociedades e nos resultados de outras entidades em que o município tome parte;
i) Heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor do município;
j) O produto da alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
k) O produto de empréstimos, incluindo os resultantes da emissão de obrigações municipais;
l)Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento.              
Constituem receitas das freguesias:
a) Metade da receita do IMI sobre prédios rústicos;
b) Cobrança de taxas, nomeadamente provenientes da prestação de serviços pelas freguesias;
c) Rendimento de mercados e cemitérios das freguesias;
d) Multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam às freguesias;
e) Rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por elas administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
f) Heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor das freguesias;
g) Alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
h) O produto de empréstimos de curto prazo, contraídos nos termos da LFL;  
Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor das freguesias.        
Quanto à participação das autarquias nos impostos cobrados pelo Estado, ficam responsáveis por: 
a)   Uma participação variável de 5% no IRS dos contribuintes com domicílio fiscal no respectivo município;
b)   Um subsídio determinado a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) cujo valor é igual a 25,3 por cento da média aritmética simples da receita proveniente do IRS, IRC e IVA;
c) Um subsídio do Fundo Social Municipal (FSM), tendo em conta as despesas suportadas pelos municípios resultantes das competências transferidas da administração central para os municípios (com principal incidência nas áreas da educação, saúde e acção social).

Na prática, e tendo em conta o peso que representam no total, as receitas dos municípios dividem-se em cinco grandes grupos: impostos, transferências, taxas e licenças, receitas da gestão patrimonial e recurso ao endividamento (empréstimos bancários). Infelizmente, esta última receita tem sido o grande sustento do quotidiano das autarquias portuguesas, sendo o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) a assunção dessa realidade. Perante a impossibilidade de a maioria das autarquias obter (mais) financiamento junto das instituições bancárias - considerando o seu insustentável nível de endividamento- o governo tem um programa que permite a regularização extraordinária dos pagamentos aos fornecedores de dívidas dos municípios vencidas há mais de 90 dias, registadas na Direcção Geral das Autarquias Locais (DGAL), independentemente da sua natureza administrativa ou comercial, disponibilizando para, o efeito, um fundo no montante de mil milhões de euros. Os municípios aderentes ao PAEL são autorizados a celebrar um contrato de empréstimo com o Estado alheio ao limite legal de endividamento de médio e longo prazos. Na prática, o governo criou um regime excepcional e transitório de concessão de crédito aos municípios, emprestando-lhes dinheiro que de outra forma não poderiam obter, tenho em conta os limites legais de endividamento previstos na LFL e na lei do Orçamento de Estado. Esta necessidade decorre da execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (plano de ajustamento da troika) que estabelece metas de consolidação orçamental das contas públicas nacionais em especial do montante dos pagamentos em atraso. O contrato de empréstimo celebrado entre autarquias e administração central ao abrigo do PAEL é enviado para o Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia.
Ainda ao nível do financiamento do Estado, e excepcionalmente, podem ser inscritas no Orçamento de Estado, por ministério, verbas destinadas a financiar projectos de relevância para o desenvolvimento regional e local, além de poderem ser previstos auxílios financeiros em casos de calamidade pública, municípios negativamente afectados por investimentos da responsabilidade da administração central, criação de novos municípios ou freguesias e recuperação de zonas de construção clandestina ou de renovação urbana.
Os fundos comunitários são outra conhecida fonte de financiamento das autarquias e visam a coesão económica e social dos estados-membros. Existem inúmeros programas comunitários disponíveis aos quais as autarquias se podem candidatar. Destaque para o QREN, composto por três grandes agendas operacionais que aproveitam às autarquias: Agenda Operacional para o Potencial Humano (Fundo Social Europeu-FSE,) Agenda Operacional para os Factores de Competitividade (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional- FEDER) e Agenda Operacional para a Valorização do Território (FEDER e Fundo de Coesão-FC).
Legalmente, as autarquias gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, encontrando-se sujeitas a tutela de legalidade - o controlo não versa sobre o mérito/oportunidade das suas opções políticas e gestionárias. O Governo exerce tutela administrativa sobre as autarquias e suas associações, através de inspecções, inquéritos e sindicâncias. No que respeita à gestão patrimonial e financeira, a tutela tem por objecto a verificação do cumprimento da lei, cabendo à Inspecção Geral das Finanças (IGF) o controlo da legalidade e a auditoria financeira e de gestão, bem como a avaliação de serviços, actividades e programas das autarquias e sector empresarial local. Até ao passado mês de Abril, existia a Inspecção Geral da Administração Local (IGAL) que exercia controlo administrativo e financeiro das autarquias e sector empresarial local do território nacional, à excepção das regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A IGAL foi extinta por opção governamental, tendo sido fundida na IGF, que passou a assumir as atribuições daquela. Ao longo do livro já lamentámos as consequências desta fusão no direito de acesso à informação da actividade das autarquias.
A tutela jurisdicional sobre as entidades da administração local é exercida pelos tribunais, cabendo ao Tribunal de Contas (TdC) a fiscalização da legalidade e da cobertura orçamental das despesas ou de quaisquer responsabilidades financeiras, directas ou indirectas, e o julgamento das contas. O TdC exerce fiscalização prévia nos contratos relativamente aos quais a lei determina a sua sujeição a visto prévio do tribunal e fiscalização sucessiva que consiste no julgamento das contas.
As acções das autarquias financiadas por fundos comunitários (acções de formação, de realização de infra-estruturas, de aquisição de equipamentos e outras) estão sujeitas à fiscalização das missões do Tribunal de Contas da União Europeia.


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