A organização do poder ao nível local remonta à época medieval mas só
em 1976 foi constitucionalmente consagrada. Nos termos da Constituição da
República Portuguesa, existem três categorias de autarquias locais: as
freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Como sabemos, estas
últimas não se encontram instituídas. São também admitidas outras formas de
organização territorial autárquica para as grandes áreas urbanas e ilhas,
definidas em lei específica. Disso são exemplo as comunidades intermunicipais
de fins gerais, as associações de municípios de fins específicos, as áreas
metropolitanas, as comunidades urbanas, os serviços municipalizados e as
empresas locais..
Este blogue trata de despesa. E não há despesa sem haver receita –
apesar de a primeira superar a segunda em larga escala. É essa, afinal, a causa
do elevado nível do endividamento autárquico. Importa, por isso, abordar o
universo das receitas das autarquias, bem como a fiscalização à qual se
encontram sujeitas, que, não raras vezes, se mostra ineficiente na sua acção,
permitindo a gestão incompetente, irresponsável e violadora do interesse
público.
A Constituição determina que as receitas próprias das autarquias advêm
da gestão do seu património, da cobrança da utilização pelos serviços prestados
e dos seus poderes tributários. Por sua vez, o regime financeiro das autarquias
é estabelecido na Lei das Finanças Locais (LFL), Lei n.º 2/2007 de 15 de
Janeiro, e visa a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas
autarquias e a correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau, ou
seja, o desenvolvimento nacional equilibrado, atendendo, cada vez mais, aos
objectivos e metas traçados no âmbito das políticas de convergência às quais o
país se obriga enquanto Estado-membro da União Europeia.
Nos termos da LFL, são receitas dos municípios:
a) Imposto municipal sobre imóveis (IMI), imposto municipal sobre as
transmissões onerosas de imóveis (IMT) bem como a parcela do imposto único de
circulação (IUC);
b) Derrama (percentagem sobre o lucro tributável e não isento de
imposto sobre o imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas – IRC);
c) Cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e
da prestação de serviços pelo município;
d) Participação nos recursos públicos (participação nos impostos do
Estado e fundos municipais);
e) Cobrança de encargos de mais-valias destinados por lei ao
município;
f) Multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam
ao município;
g) Rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por eles
administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
h) Participação nos lucros de sociedades e nos resultados de outras
entidades em que o município tome parte;
i) Heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor do
município;
j) O produto da alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
k) O produto de empréstimos, incluindo os resultantes da emissão de
obrigações municipais;
l)Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento.
Constituem receitas das freguesias:
a) Metade da receita do IMI sobre prédios rústicos;
b) Cobrança de taxas, nomeadamente provenientes da prestação de
serviços pelas freguesias;
c) Rendimento de mercados e cemitérios das freguesias;
d) Multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam
às freguesias;
e) Rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por elas
administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
f) Heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor das
freguesias;
g) Alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
h) O produto de empréstimos de curto prazo, contraídos nos termos da
LFL;
Outras receitas estabelecidas por lei
ou regulamento a favor das freguesias.
Quanto à participação das autarquias nos impostos cobrados pelo
Estado, ficam responsáveis por:
a) Uma participação variável
de 5% no IRS dos contribuintes com domicílio fiscal no respectivo município;
b) Um subsídio determinado a
partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) cujo valor é igual a 25,3 por
cento da média aritmética simples da receita proveniente do IRS, IRC e IVA;
c) Um subsídio do Fundo Social Municipal (FSM), tendo em conta as
despesas suportadas pelos municípios resultantes das competências transferidas
da administração central para os municípios (com principal incidência nas áreas
da educação, saúde e acção social).
Na prática, e tendo em conta o peso que representam no total, as
receitas dos municípios dividem-se em cinco grandes grupos: impostos,
transferências, taxas e licenças, receitas da gestão patrimonial e recurso ao
endividamento (empréstimos bancários). Infelizmente, esta última receita tem
sido o grande sustento do quotidiano das autarquias portuguesas, sendo o
Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) a assunção dessa realidade. Perante a
impossibilidade de a maioria das autarquias obter (mais) financiamento junto
das instituições bancárias - considerando o seu insustentável nível de
endividamento- o governo tem um programa que permite a regularização
extraordinária dos pagamentos aos fornecedores de dívidas dos municípios
vencidas há mais de 90 dias, registadas na Direcção Geral das Autarquias Locais
(DGAL), independentemente da sua natureza administrativa ou comercial, disponibilizando
para, o efeito, um fundo no montante de mil milhões de euros. Os municípios
aderentes ao PAEL são autorizados a celebrar um contrato de empréstimo com o
Estado alheio ao limite legal de endividamento de médio e longo prazos. Na
prática, o governo criou um regime excepcional e transitório de concessão de
crédito aos municípios, emprestando-lhes dinheiro que de outra forma não
poderiam obter, tenho em conta os limites legais de endividamento previstos na
LFL e na lei do Orçamento de Estado. Esta necessidade decorre da execução do
Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (plano de ajustamento da troika)
que estabelece metas de consolidação orçamental das contas públicas nacionais
em especial do montante dos pagamentos em atraso. O contrato de empréstimo
celebrado entre autarquias e administração central ao abrigo do PAEL é enviado
para o Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia.
Ainda ao nível do financiamento do Estado, e excepcionalmente, podem
ser inscritas no Orçamento de Estado, por ministério, verbas destinadas a
financiar projectos de relevância para o desenvolvimento regional e local, além
de poderem ser previstos auxílios financeiros em casos de calamidade pública,
municípios negativamente afectados por investimentos da responsabilidade da
administração central, criação de novos municípios ou freguesias e recuperação
de zonas de construção clandestina ou de renovação urbana.
Os fundos comunitários são outra conhecida fonte de financiamento das
autarquias e visam a coesão económica e social dos estados-membros. Existem
inúmeros programas comunitários disponíveis aos quais as autarquias se podem
candidatar. Destaque para o QREN, composto por três grandes agendas
operacionais que aproveitam às autarquias: Agenda Operacional para o Potencial
Humano (Fundo Social Europeu-FSE,) Agenda Operacional para os Factores de
Competitividade (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional- FEDER) e Agenda
Operacional para a Valorização do Território (FEDER e Fundo de Coesão-FC).
Legalmente, as autarquias gozam de autonomia administrativa,
financeira e patrimonial, encontrando-se sujeitas a tutela de legalidade - o
controlo não versa sobre o mérito/oportunidade das suas opções políticas e
gestionárias. O Governo exerce tutela administrativa sobre as autarquias e suas
associações, através de inspecções, inquéritos e sindicâncias. No que respeita
à gestão patrimonial e financeira, a tutela tem por objecto a verificação do
cumprimento da lei, cabendo à Inspecção Geral das Finanças (IGF) o controlo da
legalidade e a auditoria financeira e de gestão, bem como a avaliação de
serviços, actividades e programas das autarquias e sector empresarial local.
Até ao passado mês de Abril, existia a Inspecção Geral da Administração Local
(IGAL) que exercia controlo administrativo e financeiro das autarquias e sector
empresarial local do território nacional, à excepção das regiões autónomas da
Madeira e dos Açores. A IGAL foi extinta por opção governamental, tendo sido
fundida na IGF, que passou a assumir as atribuições daquela. Ao longo do livro
já lamentámos as consequências desta fusão no direito de acesso à informação da
actividade das autarquias.
A tutela jurisdicional sobre as entidades da administração local é
exercida pelos tribunais, cabendo ao Tribunal de Contas (TdC) a fiscalização da
legalidade e da cobertura orçamental das despesas ou de quaisquer
responsabilidades financeiras, directas ou indirectas, e o julgamento das
contas. O TdC exerce fiscalização prévia nos contratos relativamente aos quais
a lei determina a sua sujeição a visto prévio do tribunal e fiscalização
sucessiva que consiste no julgamento das contas.
As acções das autarquias financiadas por fundos comunitários (acções
de formação, de realização de infra-estruturas, de aquisição de equipamentos e
outras) estão sujeitas à fiscalização das missões do Tribunal de Contas da
União Europeia.
Excelente post. Obrigado.
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